A cada temporada uma nova modalidade de Yoga é inventada, são tantos nomes diferentes que os recém chegados nesse universo ficam literalmente perdidos e sem saber que aula escolher. Esse mês ao enviar um questionário para os alunos regulares perguntando sobre quais modalidades tinham interesse em praticar recebi várias dúvidas sobre os tipos Yoga e as diferenças entre eles. Senti a necessidade de escrever esse artigo para ajudar de uma forma geral aqueles que vão dar os primeiros passos nessa caminhada escolhendo o caminho correto.
Vamos começar pelo Yoga Tradicional
“Em sua mais antiga forma conhecida, o Yoga parece ter sido a prática da introspecção disciplinada ou da concentração meditativa, associada aos rituais de sacrifício. É sob essa forma que o Yoga se apresenta nos quatro Vedas, os primeiros e os mais precisos textos sagrados do Hinduísmo.” Georg Feuerstein
Se considerarmos a primeira vez em que a palavra Yoga foi encontrada podemos dizer que o Yoga é uma prática de mais de 5 mil anos de existência e que, embora continue tendo o mesmo significado até hoje, vem se transformando e se adaptando às novas gerações. Os anos foram passando e o Yoga foi basicamente reinventado dando origem a um conjunto imenso de práticas e explicações sobre a transcendência da condição humana.
A tradição do Yoga durante todos esses anos foi sendo passada de mestre a discípulo por transmissão oral (paramparā em sânscrito) e com o tempo sofreu inúmeras transformações onde algumas informações foram perdidas, acrescentadas e outras retiradas ou modificadas. Assim o Yoga não é, de modo algum, um todo homogêneo. A doutrina e a prática variam de escola para escola ou de mestre para mestre, e as diferenças podem ser tão grandes que, às vezes, entre duas correntes, não se pode encontrar uma única semelhança.
“Quando falamos do Yoga, estamos falando de uma multiplicidade de caminhos e tendências dotadas de estruturas teóricas contrastantes e às vezes até metas divergentes, embora todos sejam meios de libertação.” Georg Feuerstein

Do ponto de vista histórico o escritor alemão e autor de mais de 30 livros sobre Yoga, misticismo e hinduísmo, Georg Feuerstein apresenta em seu livro A Tradição do Yoga seis grandes formas de Yoga e as coloca em uma roda com muitos raios. Esses raios representam as diversas escolas ou movimentos do Yoga; o aro externo simboliza as exigências morais comuns a todos os tipos de Yoga; o aro interno mostra a experiência de êxtase, pela qual o praticante de Yoga transcende não só a sua própria consciência limitada como também a existência cósmica como um todo.
“Todas as formas autênticas de Yoga são caminhos que levam a um único centro, a realidade transcendente, que pode ser definida de modos diferentes pelas escolas.” Georg Feuerstein
Assim o Yoga [ योग ] é uma filosofia prática que visa a libertação do indivíduo através do reconhecimento da sua verdadeira natureza.
Com o auxílio de grandes mestres, a seguir farei uma breve explicação sobre os 8 tipos de Yoga Tradicional contemplados na roda de Georg Feuerstein.
Rāja Yoga
A palavra Rāja significa real. Essa é uma das escolas mais significativas dentro das apresentadas e que continua viva até hoje. É o sistema clássico de Patañjali.

Pedro Kupfer na sua tradução do texto Haṭhayoga Pradīpikā explica; “Patañjali, “aquele que caiu durante a saudação” é nome do codificador do Yoga Clássico, Aṣṭāṅga Yoga, e autor do Yogasūtra. Todas as formas de Yoga que se praticam hoje em dia têm neste autor e sua obra uma referência obrigatória, inclusive, a Haṭhayoga Pradīpikā. O Yogasūtra consta de apenas 196 aforismos que constituem um verdadeiro mapa do psiquismo humano, que revela o ser humano como alguém intrinsecamente livre e feliz. Os sūtras contém ainda instruções muito valiosas para desenvolver o potencial humano e facilitar o convívio social e ambiental.”
A palavra sânscrita aṣṭāṅga vem das raízes, aṣṭau – oito, e aṅga – partes. Assim traduz-se Aṣṭāṅga Yoga como o Yoga em oito partes, ou seja, os oito passos que conduzem o praticante a iluminação, ou ao entendimento de si mesmo e do universo. Estas oito partes, ou oito passos, são como ramos de uma árvores, naturalmente ligados entre si e dependem um do outro. Essa é a base da filosofia tradicional do Yoga, e através da prática desses oito passos aprendemos sobre nós mesmos, amadurecemos e conseguimos um certo comando sobre a mente e as emoções. Assim supera-se todos os obstáculos no caminho do autoconhecimento e do despertar espiritual. Aṣṭāṅga Yoga assim é um método que conduz o praticante ao objetivo final do Yoga, que é a libertação.
Karma Yoga
É o Yoga da liberdade na ação. O termo karma significa um tipo específico de ação, uma ação com atitude interior perante a ação. A ação por si só sem a atitude correta não é Karma Yoga.
“O Karma Yoga é muitas vezes ensinado e entendido como o exercício da ação sem expectativas ou a ação desinteressada. Swami Dayananda ensina que não é possível praticar uma ação sem esperar um resultado. A negação desta verdade representa a não compreensão e não aceitação da natureza humana. Uma vez que percebemos que a ‘inacção na acção’ não é não esperar um resultado, mas sim aceitar que não podemos mudar um resultado e aceitá-lo em santosha (contentamento), ou seja, agir sem apego ao resultado, agir com desapego; então compreendemos o ensinamento do Karma Yoga” ensina o professor Pedro Kupfer.
Complementa ainda: “Karma Yoga não é fazer karma, ação, não é agir, fazer algum tipo de trabalho. Por isso, não é manter o jardim limpo, ajudar na cozinha, lavar a roupa, ajudar no trabalho de escritório. Fazer isto, fazer aquilo. Como se pode fazer Karma Yoga? E por outro lado como se pode deixar de produzir Karma? Se existe uma escolha, a escolha é entre Karma Yoga e Sannyása e não entre agir e não agir. Aqueles dois existem como vias para Mokṣa. Mokṣa é autoconhecimento, libertação da necessidade de querer ser algo diferente. Não é uma luta para se conseguir algo, mas libertação da luta para se tornar algo”” Pedro Kupfer.
Samnyāsa Yoga
Prática da renúncia ou da ascese. O professor Pedro Kupfer explica: “O conhecimento é o caminho, e para tanto existe Sannyása ou Karma Yoga. Sannyása não tem obrigações que não ahimsá, não violência, porque tudo é abandonado em prol de uma vida de busca do conhecimento, brahmavidyá. Na vida de Karma Yoga os deveres que são abandonados pelo sannyásí mantêm-se. É uma vida de conciliação desses deveres com a busca de conhecimento.”
Mantra Yoga
Mantras são sons de poder, instrumentos para o pensamento. Em Mantra Yoga o som é usado como veículo de transcendência. De acordo com a teoria predominante da ciência dos sons sagrados – conhecida como mantra-vidyâ ou mantra-sâstra, o universo existe num estado de vibração e os sons, sobretudo os sons repetitivos afetam a consciência. Assim o mantra é um som que traz poder a mente, um som que centra, foca e coloca a mente em estado meditativo.
“O mantra é um veículo meditativo de transformação do corpo e da mente humanos, e supõe-se que tenha um poder mágico.” Ernest Wood
Haṭha Yoga
O Yoga vigoroso é um produto da época medieval. “Gira especialmente em torno do desenvolvimento do potencial do corpo, para que este seja capaz de suportar a força e o peso da realização transcendente”. Georg Feuerstein
É o equilíbrio das nossas energias internas. Sua prática física apenas é descrita em detalhes pelos tântricos no século XV primeiramente em um texto já perdido de do sábio Gorakṣa que explica o sentido secreto da palavra Haṭha, como a junção das energias solar/lunar: “A letra ha se refere ao sūrya e a letra ṭha indica candra. Quando candra e sūrya estão em equilíbrio é chamado de Haṭha yoga.”
Segundo Flávia Venturoli Miranda no seu artigo Origens do Haṭha Yoga; a energia Śakti, juntamente com a estática consciência, Śiva simbolizam os princípios da unidade buscada pelas práticas tântricas. “Para isso, o tantra não exclui nenhuma possibilidade (nem sacra nem profana) para essa realização, pois não há o profano apenas o sagrado”

Segundo o professor Pedro Kupfer, “O período em que o Haṭha surgiu coincide com um momento muito especial da história, em que os adeptos do Tantra apresentaram a uma Índia pasmada e acomodada no ritualismo bramânico uma visão revolucionária e dinâmica do universo e do homem. Para os tântricos o corpo não é mais a causa do sofrimento ou da perdição, mas um veículo para a transcendência e a realização da natureza divina no homem.”
“Sem o corpo, como realizar o [supremo] objetivo? Então, depois de adquirir uma morada corpórea, a pessoa deve realizar ações meritórias, pūṇyam.” Kulārnava Tantra (I:18)
A peculiaridade do Haṭha é a busca pela liberdade através de uma série de práticas e reflexões que visam o despertar de nossa potencialidade humana, através da experiência do despertar da kuṇḍaliṇī.
Assim concluímos que o Haṭha Yoga é um método tântrico que usa o corpo como veículo para a iluminação. Embora não busquemos experiências também não devemos negá-las. Tudo é válido uma vez que o corpo é sagrado e sem o corpo não haveria a possibilidade da iluminação.
Kriyā Yoga
Embora esteja na roda do Yoga, Georg Feuerstein não dá muitas explicações sobre essa modalidade de Yoga deixando-nos com uma única tradução: Yoga da ação ritual.
O dicionário Michaelis traduz a palavra ritual como “relativo ou pertencente a rito”. Um rito é uma cerimônia religiosa, um culto ou conjunto de práticas próprias. Assim subentende-se que Kriyā Yoga envolve ações ritualísticas para se atingir o objetivo último do Yoga, a iluminação.
Bhakti Yoga
O poder transcendente do amor. No Bhakti é a força emocional do ser humano que é purificada e canalizada para Deus. “Em sua disciplina de autotranscendência extática, os bhaktis-yogīns – ou bhaktas (“devotos”) – tendem a ser mais expressivos do que o típico jnānim ou rāja-yogin. Os adeptos do Bhakti Yoga não se envergonham, por exemplo, de derramar lágrimas de desejo pela Divindade. ” explica Georg Feuerstein.
A palavra sânscrita bhakti vem da raiz bhaj, que significa “adorar ou adorar a Deus”. Bhakti Yoga é conhecida pela “união por meio do amor e da devoção”. Bhakti yoga, como qualquer outra forma de Yoga, é um caminho para a auto-realização, para ter uma experiência de unidade com tudo.
“Bhakti é a Yoga de um relacionamento pessoal com Deus”, diz o músico Jai Uttal, que aprendeu a arte da devoção com seu guru, o falecido Neem Karoli Baba. “Nocerne de Bhakti está a rendição”, diz Uttal, que viaja pelo mundo conduzindo kirtans devocionais.
“Bhakti Yoga é render-se ao Divino com seu Eu interior. Consiste em concentrar a mente, as emoções e os sentidos no Divino” David Frawley.
Jñāna Yoga
O Yoga do conhecimento verdadeiro. Jñāna significa conhecimento, sabedoria, um tipo de conhecimento que liberta. O Jñāna Yoga praticamente não se distingue do caminho espiritual do Vedānta, a tradição hindu do não-dualismo.
Segundo a professora Gloria Arieira “Vedānta é o conhecimento contido no final dos Vedas, os textos chamados as Upanishads. Outros textos de Vedānta são a Bhagavad Gītā, o Brahma Sutra e os Prakaranagranthas (textos vários explorando temas de estudo de Vedānta escrito por diferentes mestres ao longo do tempo). Vedānta analisa a natureza do Ser essencial através de seu método: o escutar, do mestre, as palavras de ensinamento, a reflexão sobre o que foi escutado e a contemplação sobre o que foi escutado e refletido. Em Vedānta a meditação é concomitante ao estudo. Não tem função independente dele. Algumas meditações preparam a mente do estudante. Outras são contemplações do Ser Absoluto”.
Patricia de Abreu é professora de Yoga a mais de 13 anos e dedica-se inteiramente ao estudo e a prática de Yoga. É afiliada ao Yoga Alliance, ao Yoga Austrália país onde residia anteriormente e a Aliança do Yoga no Brasil. É estudante de Vedanta e busca ensinar de forma integral todos que estão interessados no caminho do Yoga e do autoconhecimento.